quinta-feira, 19 de maio de 2016

Bala de Tamarindo

Algum amigo do Rio que para o sul esteja vindo
Faça-me o favor de trazer umas balas de tamarindo
Sei que não posso pedir que traga o calor
Ou toda a amizade e amor

Eu pediria aquelas conversas no fim de tarde quente
E também aquele “rolé” na praça cheia de gente
Sei que não daria pra trazer a fala chiada
Nem a discussão sobre futebol, sempre inflamada

Não dá pra trazer a infância querida
As goiabeiras, as mangueiras floridas
Ou a piscina que a mãe enchia
Aquela que brincávamos todo dia

Se pudesse, tanta coisa boa pediria
Do boneco do Hércules que ganhei do pai a alegria
O natal na casa da tia
A mãe cantando samba e a comida que ela fazia

Pediria o céu do tempo de pipa
Pediria a festa junina e as ruas cheias de fita
Pediria o pique que a gente brincava
O cansaço de tanto que a gente corria

Da escola eu pediria só o recreio!
E aquele dia que fomos ao zoológico a passeio
O dia que a mãe me buscou antes que a aula acabasse
Naquele dia fomos a praia, como queria que esse dia voltasse

São tantas coisas que ficaram por lá
Impossíveis de trazer pra cá
Eu passaria horas pedindo e pedindo
Mas não esqueça de trazer as balas de tamarindo


terça-feira, 10 de maio de 2016

Velho

Renovei meu arsenal de poemas
Passei pelo bar da esquina
Encontrei um velho e seus dilemas
O velho me contou coisas novas
Coisas que eu não sabia
Eu ouvia o que o velho dizia
Eu sentia o que o velho sentia
Ouvi histórias loucas, não poucas
Ouça para saber e para ser veja
Mas para que faça sentido cerveja
A cada gole uma nova frase ou verso
E nas memórias do velho eu submerso
Ele dizia na vida sempre haverá dor
Rico, pobre, preto, branco...
Na vida sempre haverá pranto
Forte, fraco, corajoso ou não...
O importante é proteger o coração
Mas nunca de mais 
para não perder oportunidades de amar
Também nunca de menos
Para não sofrer em vão
Levantei e segui meu caminho
Acenei para o velho como quem agradecia
Para muitos ele era um simples bebado
Para mim um grande sábio

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Bom Dia

Acorda cantando a capela
Voz ainda rouca, mas bela
Café passado à mesa
Me abraça, me cheira, me beija
Recado no quadro de giz
Pedindo pra eu ser feliz
Atraso que já é rotina
Ligeira fechando a cortina
Me conta o que espera da vida
Me segue até a saída
Reclamo que a manhã está fria
Ela me abraça e deseja bom dia.


Cicatriz

Um traço e tudo começa
O sangue com a tinta conversa
O artista de olhos fixos e mão firme
Fere mas sem cometer qualquer crime

Há dor, porém nos deixa feliz
Ardor da agulha que diz
E fala tudo como quem versa
Em telas nobres e diversas

A pele escolhe o artista
A pele escolhe a arte
O artista a pele conquista
O tempo da arte faz parte

A ferida exige cuidado
Para que se veja na pele aquilo que se tinha sonhado
Um mantra, um sonho, um desenho qualquer
Vai compor o corpo, vai descrever quem você é

Vai ficar marcado na pele
Aquilo que a alma disfere
Vai dizer o que a voz não diz
Essa é a cicatriz que eu quis

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Vida poética

Meu ritmo é o da caminhada
As vezes correr é preciso
Eu gosto da batucada
Mas as vezes só silencio faz sentido
Eu rimo, nem só com palavras
Melhor rima é a dos sentimentos
Posso rimar momentos
Posso até não rimar
Meus versos são assimétricos
Curtos, longos, médios... Como olhares intrépidos
Minhas estrofes encerram sentidos
Dias, horas, semanas, segundos as vezes parecem perdidos
Como estrofe sem contexto
Vejo a vida sendo escrita
Sempre falta uma rima
Sempre troco um ponto
Não sei quando o texto termina
Quero a vida em versos
Quero lugares diversos
Menos atos perversos

Verso expresso

Em verso expresso
O meu pensamento inverso
Sobre o que na rede é repetido
Podem até me considerar subversivo

No ritmo digo
No riso sinto
O que na verdade é mentira
Indo da justiça à irá

Não "curto" a pena de  morte
Não "curto" a lei do mais forte
Não compartilho a palavra de ordem
Prefiro o progresso do bem

Sou contra o golpe que se espalha por aí
Não passa do antigo "joga pedra na Geni"
É sujo contra mal lavado e no fim todos ficam de pé
E o malandro na dureza ainda na mesa do café

Não sigo quem sai impunemente
Chingando, odiando, menosprezando quem é diferente
Entre homem e mulher prefiro quem é gente
Antes de abrir a boca é melhor abrir a mente

Pra cada crítica vários pontos de vista
Não veja sempre a mesma revista
Nem a mesma tv, é bom mudar o canal
Não confie num jornal só por se dizer nacional

Ser preto

Tem que ser preto pra saber o que significa meu cabelo
Pra saber o que diz o punho cerrado e o ato de erguê-lo
Só sendo preto pra entender a verdade da piada
Só sendo preto pra entender a recusa em dar risada

Tem que ser preto pra se sentir em casa na periferia
Tem que ser preto pra saber a cara de quem "trampa" na cozinha
Só sendo preto pra sentir abertas as portas das universidades
De cota em cota quem é preto vai cobrando a dívida com sua ancestralidade

Tem que ser preto para perceber o racismo da polícia
A indiferença na notícia
E sendo preto pode ser o único revistado na condução
Ou o único acompanhado pelo segurança na loja em meio a multidão

Tem que ser criança preta pra saber que o herói é branco
A heroína é branca
E na TV a preta é empregada
Quando não, está na senzala

Se não for preto faça me um favor
Cale, chegou vez do preto bradar com fervor
Meu batuque será ouvido
Meu verso tomará sentido
Outros pretos, não poucos
Terão os grilhões das mentes soltos

Será ela

Tem que ser santa, fiel e pura
De acordo com seu próprio código e postura
Tem que ser sã em todo momento
De acordo com seu próprio julgamento

Será linda, com toda a certeza
Sem se render aos padrões de beleza
Será dele, deles, dela e delas também
Mas se não quiser, será de si só e mais ninguém

Será forte! Ai de quem se opor
Será guerreira se preciso for
Será mãe, se tiver vontade
Seu corpo não é nossa propriedade

Será exemplo, líder, livre, independente
Será grande, respeitada, inteligente
Será feliz da forma que quiser
Mas antes de tudo será mulher